TDAH e o Sono: por que meu filho não consegue dormir?
- Academia Do Sono Infantil

- 27 de out.
- 6 min de leitura
Se você é mãe, pai ou cuidador de uma criança com TDAH e sente que as noites são sempre um desafio, saiba que você não está sozinho. O sono costuma ser um dos temas mais delicados para muitas famílias — especialmente dentro do universo neurodivergente.
Ele é essencial para o equilíbrio emocional, o aprendizado e o comportamento infantil. Mas quando o TDAH faz parte da vida da criança, as noites mal dormidas acabam se tornando rotina. A boa notícia é que, ao entender o que está por trás dessas dificuldades, é possível abrir caminhos mais leves, respeitosos e reais para melhorar o sono da sua família.
Como o TDAH impacta no sono?
Estudos indicam que entre 50% e 70% das crianças com TDAH têm algum tipo de dificuldade para dormir. Isso pode significar:
Resistência para ir para a cama
Demorar muito tempo para adormecer
Acordar várias vezes à noite
Ter um sono leve ou agitado
Sentir muito sono durante o dia
Essas dificuldades são mais comuns em crianças com TDAH do que em crianças neurotípicas, segundo estudos do Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry.
E o mais importante: isso não é culpa da criança, nem da família. O cérebro com TDAH funciona de um jeito diferente — inclusive na forma como lida com o sono.
Por que é tão difícil dormir?
Existem várias razões, e nenhuma delas é preguiça, “manha” ou falta de limites. O impacto do TDAH no sono pode ser explicado por múltiplos fatores:
Um relógio biológico atrasado
Muitas crianças com TDAH têm um cronotipo mais noturno — ou seja, o corpo delas só começa a produzir melatonina (o hormônio do sono) bem mais tarde do que o ideal. Um estudo da Sleep Medicine Reviews (2013) confirma esse atraso na liberação da melatonina em crianças com TDAH.
Mente ligada no 220
Mesmo com o corpo cansado, a mente não para. A criança pode estar pensando em mil coisas, revivendo o dia, se preocupando, ou presa em um hiperfoco. Essa hiperatividade mental atrapalha a transição para o sono, dificultando o iniciar do sono, mesmo quando o corpo já está cansado.
Medicação que pode atrapalhar
Alguns medicamentos usados para tratar o TDAH, como o metilfenidato, podem atrapalhar o sono se forem tomados no fim do dia. Uma revisão sistemática publicada no Journal of Clinical Psychiatry (2016) mostrou que, embora os efeitos sejam variáveis, parte das crianças experimenta redução na duração do sono e maior latência para dormir.
Um ciclo difícil: quanto menos dorme, mais agitado fica
Esse é o ponto central: o sono ruim não é só uma consequência do TDAH — ele também piora os sintomas. Um estudo do Journal of Child Psychology and Psychiatry (2009) mostrou que privação de sono em crianças pode resultar em comportamentos impulsivos, dificuldade de atenção e maior irritabilidade – sintomas que muitas vezes se confundem com os do próprio transtorno.
Ou seja, o TDAH atrapalha o sono e o sono ruim intensifica o TDAH – criando um ciclo difícil de romper. Mas a boa notícia é que esse ciclo pode ser quebrado — com empatia, estratégia e um passo de cada vez.
O que pode ajudar? Caminhos com base na ciência (e no coração)
Felizmente, existem medidas comprovadas que podem melhorar o sono em crianças com TDAH. Veja algumas:
Rotina previsível, do jeitinho que seu filho precisa
Rotinas consistentes são importantes para todas as crianças, mas especialmente para aquelas com TDAH, que tendem a ter mais dificuldade com transições e previsibilidade. Ter um passo a passo na hora de dormir ajuda o corpo a entender que está chegando a hora de descansar — e traz uma sensação de segurança.
Estudos mostram que crianças com rotinas regulares dormem melhor, adormecem mais rápido e acordam menos durante a noite. Esses benefícios são ainda mais significativos para crianças com TDAH, já que a previsibilidade e a repetição atuam como “âncoras” para o sistema nervoso, favorecendo a autorregulação.
E mais: uma rotina consistente está ligada a melhor comportamento e regulação emocional ao longo da infância (Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics,2019).
Dica prática: crie um ritual do sono com etapas simples e repetidas todas as noites — como banho morno, escovação dos dentes, leitura tranquila, respiração profunda ou uma música suave. O importante é manter a sequência o mais consistente possível, inclusive nos fins de semana. Isso ajuda o corpo a “aprender” quando é hora de dormir, mesmo nos dias em que a mente estámais agitada.
Menos estímulo, mais aconchego
No final do dia, o corpo e o cérebro precisam de tempo para desacelerar. Sons altos, brincadeiras agitadas, luz forte e telas dificultam esse processo —especialmente nas crianças com TDAH, que têm um sistema nervoso mais sensível, – o que significa que podem demorar.
A luz azul das telas, por exemplo, bloqueia a produção de melatonina. E em crianças com TDAH, esses efeitos são ainda mais acentuados, uma vez que o uso de dispositivos eletrônicos à noite agrava os sintomas de hiperatividade e impulsividade no dia seguinte. (Journal of Attention Disorders, 2020).
Dica prática: crie uma “rotina de desaceleração” cerca de 1 hora antes do horário de dormir. Desligue as telas, reduza a iluminação do ambiente e ofereça atividades calmantes — como quebra-cabeças simples, histórias contadas ou um tempinho só de colo e conversa. Isso vale ouro.
Técnicas para “desligar a mente”
Sabe aquela sensação de não conseguir parar de pensar? Crianças com TDAH sentem isso com frequência, especialmente na hora de dormir. Isso torna a transição para o sono um verdadeiro desafio.
Pesquisas mostram que estratégias de relaxamento e atenção plena ajudam muito nesse momento. Não precisa ser complicado — o importante é oferecer ferramentas para a criança se acalmar de dentro pra fora.
Dica prática: experimente atividades como:
Respiração 4-4-8 (inspirar por 4s, segurar por 4s, expirar por 8s)
Técnica do “pote dos pensamentos” (a criança desenha ou escreve tudo que está na cabeça antes de dormir e “guarda” para o dia seguinte)
Histórias de meditação infantil guiadas
Essas práticas ajudam a criança a tomar distância dos pensamentos sem precisar “resolver tudo” antes de dormir.
Um quarto que acolhe os sentidos
Algumas crianças com TDAH são mais sensíveis a luzes, sons, temperatura ou texturas. Isso pode parecer detalhe, mas faz toda a diferença na qualidade do sono.
Um estudo do American Journal of Occupational Therapy (2014) mostrou que intervenções sensoriais, como cobertores com peso ou ruído branco, melhoraram o sono em crianças com TDAH e autismo.
Dica prática: observe e teste o que funciona para o seu filho. Pode ser:
Luz âmbar ou Cortinas blackout para escurecer o ambiente
Ruído branco suave
Aromaterapia leve (sempre com óleos seguros para crianças)
Pijamas confortáveis, sem etiquetas ou tecidos ásperos
Cobertores pesadinhos (com recomendação profissional)
Pequenas mudanças podem fazer uma grande diferença — especialmente quando respeitam as preferências sensoriais da criança.
Ajustes na medicação e apoio profissional
Se seu filho faz uso de medicação, vale conversar com o médico caso o sono esteja piorando. Em alguns casos, ajustar o horário já melhora muito. E quando necessário, pode-se considerar o uso de melatonina fisiológica — sempre com orientação profissional.
Uma meta-análise do Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry (2016) mostrou que medicamentos estimulantes podem aumentar o tempo para adormecer em algumas crianças, mas com acompanhamento certo, os efeitos podem ser bem gerenciados.
Dica prática: além do pediatra, outros profissionais podem somar: terapeuta ocupacional, psicólogo infantil, consultor do sono, neurologista. Trabalhar em equipe ajuda a cuidar da criança de forma completa.
Um convite gentil ao cuidado individualizado
Não existe fórmula mágica. Cada criança com TDAH é única — com seu ritmo, suas sensibilidades e seus jeitos de dormir. O que funciona para um, pode não servir para outro. Mas isso não significa que você está perdida. Significa apenas que o caminho precisa ser construído com carinho, paciência e apoio.
Lembre-se: o sono não é só descanso. Ele é um momento de conexão, de segurança emocional e de desenvolvimento saudável. E mesmo com os desafios do TDAH, é possível construir noites mais tranquilas, com menos luta e mais presença.
Se você sente que precisa de ajuda nesse processo, procure apoio especializado. Você não precisa fazer isso sozinha.
Se você sente que já tentou de tudo e mesmo assim as noites continuam difíceis, saiba: você não está sozinha. O sono pode ser desafiador — especialmente quando há um diagnóstico de TDAH —, mas com orientação individualizada, ele pode se tornar mais leve, previsível e restaurador.
Se você quiser compreender mais profundamente o que está por trás das mudanças do sono e como apoiar o seu bebê em cada fase, a Academia do Sono Infantil está aqui para te ajudar. O nosso Método A.M.A.R. pode te guiar com leveza, empatia e base científica — ajudando sua família a viver o descanso como ele deve ser: natural, respeitoso e cheio de amor.
Por Mariana Friend
Especialista em Sono Infantil, fundadora da Academia do Sono Infantil e criadora do Método A.M.A.R., um modelo de acompanhamento que une ciência, vínculo e respeito ao ritmo único de cada bebê.




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